-Charlie, para com isso! – Ele estava me fazendo cócegas na minha barriga, sabe que eu odeio isso.
-Esse é o troco por me inventar loiro!
-Isso faz mais de dez anos!
Sim, Charlie é meu amigo imaginário admito, sou uma garota de dezessete anos com um amigo que não existe.
Inventei o Charlie quando tinha uns quatro ou três anos, assim que meu irmão mais velho foi para o exercito. Quando que eu soube que ele morreu na droga daquela guerra, fiquei sozinha, minha mãe não ligava pra mim na época, não liga até hoje, meu pai, ás vezes ele nem e lembra que sou uma menina, então criei o Charlie que é a única pessoa que me entende, afinal ele é minha imaginação, faz parte de mim. Meu relacionamento com ele nunca passou de pura amizade, nem sei se é possível amar um amigo imaginário, acho que estaria amando a mim mesma.
-Emma, vamos para o jardim ver as estrelas? –disse Charlie com cara de cachorro abandonado.
Eu gosto de olhar para o céu. Acabo entrando em transe, lembro-me de quando era criança e achava que estrelas era outro mundo, outro universo, outra história a ser escrita e vivida. Amo pensar que entro em um mundo paralelo, sem guerras, sem essas religiões que afastam as pessoas umas das outras, sem racismo… Penso que sou completamente feliz apenas olhando o céu estrelado, era assim até os dias de hoje. Nem me lembro de quando foi á última vez que eu deitei no gramado do quintal de casa e contei as estrelas até cair no sono.
-Charlie, não, vai lá você sozinho.
E ele foi. Deixara-me sozinha no quarto. Ás vezes eu não entendo as mulheres mesmo sendo uma, elas falam uma coisa e esperam outra. No caso de Charlie é diferente, queria as mesmo tempo que ele ficasse comigo e me abraçasse, mas acabo imaginando ele fazendo outra coisa como implicar comigo.
…
No dia seguinte ia ser meu primeiro dia de aula. Garotas que usam minissaia, gente que nunca abriu um livro, drogados, jogadores de futebol bonitões que vão engravidar alguém no baile. Isso é College ofBards.
Acordei lá pelas 07h50min, fui tomar banho, escovei os dentes, penteei meu cabelo, coloquei uma calça jeans preta com meu tênis e uma blusa branca dos Beatles.
Logo, desci e vi meu pai preparando o café da manhã. Panquecas, ovos mexidos com bacon e café.
- Oi querida, dormiu bem? - meu pai falou.
- Sim. – respondi.
- Emma, eu sei que esta sendo difícil. Você viveu praticamente toda a sua vida com a sua mãe na cidade grande e agora esta aqui com seu velho nessa cidadezinha. – Ele se aproximou de mim e me deu um beijo no canto da testa. Senti sua barba me arranhando de leve. – Boa sorte na escola nova, você vai se adaptar.
Não, não ia me adaptar, passei toda a minha infância sendo rejeitada pela a minha mãe e seus namoradinhos e agora estou aqui com o meu pai e Charlie tentando ser uma adolescente normal com sua vidinha normal.
-Tchau querida, boa sorte.
-Tchau pai.
Peguei minha mochila e as chaves do meu carro.
No carro encontro nada menos que Charlie com seu cabelo arrumado, mochila e um casaco que só os jogadores bonitões usam.
-Charlie vai embora daqui!-revirei os olhos- Já sou estranha demais sendo “normal”, imagina se souberem que tenho um amigo imaginário.
-Em, você esqueceu-se de uma coisa. Ninguém me vê. – Ele fez bico.
-Tudo bem. Mas qual é a da jaqueta?
-Cara, é estilo. Não vou ir pra escola parecendo um mendigo no nosso primeiro dia.
-Nosso? Você mesmo disse que ninguém te vê.
-Princípios gata, agora, HORA DE AVENTURA!
Quando cheguei à escola já vi as garotas de minissaia e os bonitões, dependendo do ponto de vista eles até que eram bonitinhos.
Essa escola era dividida em grupos, Nerd’s, CDF’s, góticos, covardes, valentões, jogadores de basquete e futebol, lideres de torcida, patricinhas, alunos de intercambio e claro, alunos como eu que não se encaixam em grupo nenhum.
Tive que passar pelos carros dos populares, ou seja, fui levemente insultada pela líder de torcida mais bonita com seu grupinho de garotas anoréxicas que colocam spray de cabelo na bolsa e usam maquiagem de mais.
-EI NOVATA VAI EMBORA DAQUI!
Por mais que eu quisesse falar muita coisa para eles não tive coragem. Não ia ficar muito bem pro meu lado no primeiro dia de aula no meio do ano já arranjando briga com o pessoal que manda na escola inteira.
Podia até ver as manchetes do jornal:
"Idiota arranja briga com a futura rainha do baile."
Moça da cantina cospe na sopa. Saiba mais.
Na aula de filosofia eu sentei bem no fundo apenas observando as patricinhas passando batom rosa e os caras convidando elas pra sair.
Imaginava o professor sendo um cara de cinquenta anos, careca usando um terno preto com uma blusa azul claro e que ficava gastando todo o tempo da aula contando sobre a sua vida sofrida e suas viagens internacionais. Enganei-me. 5 minutos depois o professor que devia ter uns vinte e poucos anos entrou na sala e mandou todos se sentarem e escreveu o nome no quadro negro: Sr. Houten. Provavelmente era novo.
O Sr. Houten era um homem alto, bonito, com olhos verdes bem vivos, cabelo castanho escuro. Estava usando uma calça social preta, blusa branca e um colete preto.
As alunas ficavam sussurrando umas para as outras do seu grupo o quanto o professor era gato e os bonitões se perguntando oque ele tinha que eles não tinham. Cérebro foi à primeira coisa que eu pensei.
-Bom dia alunos, eu sou o Sr. Houten seu novo professor de filosofia. Abram o livro na pagina 162.
Na hora do intervalo vi o porquê às meninas serem anoréxicas, a comida era horrível. A carne parecia estar estragada e os legumes podres. Peguei uma maça que pela opinião de Charlie estava boa.
Não tinha a menor ideia de que mesa sentar, todas estavam ocupadas e divididas por causa dos grupos. A das patricinhas com pó de mais na cara tinha maquiagem espalhada na mesa, a dos Nerd’s estava cheia de cubos mágicos, alguns resolvidos e outros muito bagunçados e a dos populares que era a mais cheia, todos estavam rindo e se divertindo, até pareciam àquelas pessoas dos comerciais de pasta de dente. Todos os jogadores estavam se exibindo falando que fizeram o time da escola ganhar e as líderes de torcida humilhando os outros alunos que “desperdiçavam” seu tempo lendo no intervalo. Inacreditável, não? Elas gastam todos os minutos de suas vidas se maquiando e brigando por garotos e nos raros momentos que elas pararam de fazer isso resolvem humilhar pessoas inocentes que sabem soletrar “Paralelepípedo”.
-Emm, que gatas. Deixa de ser antissocial e vai falar com elas.
-Prefiro ser antissocial a ter que falar com elas.
-Emm… Eu sei oque você está pensando, concordo com você mas não se esqueça, aos olhos delas, você é a estranha e inútil.
Aquelas palavras me abalaram, como é que meu subconsciente pode dizer aquilo? Será que no fundo eu gostaria de estar ali? Sendo uma anoréxica na qual a única preocupação era decidir se deveria colocar silicone ou não. Não, essa não sou eu, definitivamente.
Na aula de culinária estava tentando cozinhar, pelo menos se não queimasse aquilo tiraria no mínimo um B+. Nem precisava ter um gosto bom, se não tivesse uma camada preta que não fosse chocolate na cobertura, um B+ não ia ser difícil de conseguir.
A professora que nós da aula, a Sra. Morley era um velhinha adorável de 67 anos com olhos cor de mel, poderia até fazer comerciais ou estar na embalagem de farinha. Não seria má ideia, eu compraria um saco de farinha com ela na frente. Pena que tem ela tem a cara amaçada demais para parecer uma velhinha que te dá bala de hortelã e um bolo de laranja como boas-vindas, sua face lembra um papel amaçado. Mesmo assim ela é adorável com seus brincos de pérola e suas roupas combinando.
-Lembrem-se meninas, para conquistar um homem tem que ser pelo estomago. –ela disse, afinal podia dizer aquilo, na sala só tinha meninas. Se para conquistar alguém tinha que ser pelo estomago, porque ela ainda continuava solteira? Não vi nenhuma aliança em seu dedo e possivelmente tinha um gato branco porque sua blusa preta estava cheia de pelos. Talvez ela dissesse aquilo para nós não perdemos a esperança ou para não perder o emprego. –Muito bem, vamos fazer as duplas: Molly você fica com a Rachel, Monna você fica com a… Emília… Não desculpe com a Emma. Gosto desse nome, EMMA! Lili você fica com a Milly…
-Oi. –disse
-Olha, não sei cozinhar e nem quero aprender, então você cozinha fala que eu ajudei, tiramos um D e você pode sentar na minha mesa amanhã. Tudo bem?
-Tudo. Só tem um probleminha, eu também não sei cozinhar.
-Não tem problema. –Ela riu. –É só usar o livro de receitas.
Se for só usar o livro de receitas, porque ela não me ajudava?
Comecei a ler o livro, escolhi o prato que aparentemente era o mais fácil: Cookies de Chocolate.
2 xícaras de chá de farinha de trigo
1/2 xícaras de chá de açúcar
1/2 xícara de chá de leite em pó
1/2 xícara de chá de açúcar mascavo
5 ovos inteiros
100 g de margarina
1 colher de sopa de fermento em pó
1/2 xícara de chá de chocolate em pó
50g de coco ralado.
20 minutos depois de ter misturado todos os ingredientes coloquei ele nas micro-ondas.
-Daqui a 3 minutos eles devem estar prontos. –disse.
Monna não olhou na minha cara, apenas continuo passando seu precioso blush em suas perfeitas maças do rosto.
Quando os Cookies ficaram prontos, não estava igual a foto do livro.
Tinha uma aparência grotesca, as gotas de chocolate se acumularam em um único canto, dando forma a uma bolota marrom. As partes inferiores ficam queimadas. Acho que aquela coisa tinha cara de um C-. É… Não iria sentar-se à mesa da Monna. Talvez amanhã eu coma no banheiro, não ia ser tão ruim assim. Banheiros femininos têm cheiro de sabonete rosa e desespero.
-Monna, temos um problema. –mostrei á ela a bandeja de cocô de unicórnio. –Acho que a gente consegue um C- se ela tiver de bom humor.
-C-! É a nota mais alta que eu tirei nesse colégio. Obrigado Emília.
-É Emma.
-Tudo bem, Emma você vai sentar do meu lado amanhã na hora do almoço. Vou te apresentar a todos! Já te disseram que você é uma graça? – O sinal tocou finalmente livre! Nunca fiquei tão feliz em estar fora da sala de aula. Monna me deu um beijo no rosto. –Beijinhos Emma
Eu fiz uma amiga queimando biscoitos? Charlie vai gostar dessa história.
Quando cheguei a minha casa vi meu pai tentando cozinhar alguma coisa, digamos algo comestível.
-Estou fazendo o possível para que isso tenha um gosto agradável. –disse ele.
-Parece que seu plano está… Meio que queimado.
Será possível que todo o Shepard não tem dons culinários?
-Oque você acha da gente deixar isso aqui e esperar que a Paula -empregada de casa- limpe tudo isso de manhã e pedirmos uma pizza?
-Você sabe que não pode alimentar sua filha com pizza para sempre?
-Emma Shepard, isso é problema para o Peter Shepard do futuro. Então agora vamos comer pizza.
Quando terminamos de jantar dei boa noite para Peter e subi para meu quarto onde vi Charlie deitado em minha cama brincando com meu bichinho de pelúcia, Pug. Pug é uma coruja que papai me deu quando eu tinha nove anos.
A coruja de enchimento estava um pouco acabada com o tempo, sua asa esquerda estava quase rasgando e seu olho que já foi mais de uma vez costurado estava torto.
-Charlie! Deixa meu bichinho. Você vai acabar rasgando ele. –Eu disse.
-Em, confiem em mim pelo menos uma vez na vida.
Ladisco, meu gato, que mais parece um filhote de panda gordo, ficava olhando para a janela tentando pegar uma borboleta azul que pousou por ali. Assustei Ladisco para que não á mate e abri a janela para que saísse, mas ela não saiu, ficou parada me olhando batendo levemente suas asas ameaçando ir embora.
-Em, posso sentar do seu lado na hora do almoço? Hoje eu tive que sentar com os CDF’s. Acredite, não é legal.
-Não, nem eu mesma sei se vou almoçar na mesa da Monna amanhã.
Quando voltei minhas atenções para a borboleta ela tinha sumido.
-Então serei obrigado a comer num banheiro ou sentar com os CDf’s?
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